segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Texto de Antônio Marcos Chagas

     LIBERDADE RESPONSÁVEL: UM VALOR A SER DESCOBERTO E CULTIVADO.
Quando se fala em liberdade, fala-se do substrato do agir humano ou das possibilidades que lhe são inerentes. Junto aos valores, a liberdade humana é fundamental. Cada vez mais a liberdade associa-se inseparavelmente ao ideal de plena realização do homem. Evoca-se, também, a idéia de estar livre de tantas escravidões e alienações e ao mesmo tempo a idéia de poder ser a si mesmo.
Aqui, abrem-se elementos importantes para captar a liberdade e sua leveza, plenitude e serenidade, realização íntima, profunda e libertadora, nesta primazia do ser: Sempre, no âmbito da decisão, emerge a liberdade como condição de possibilidade de um respaldo e sustento da decisão mesma. A liberdade é sempre iniciativa da pessoa, iniciativa esta que é insubstituível à pessoa a quem cabe reconhecer as inclinações que podem contribuir à sua liberdade, escolher e de se engajar.
Distingue-se liberdade do comportamento inconsciente (presente nos animais), da loucura, da irresponsabilidade física ou moral. Sendo largamente ligado ao mundo ou à natureza, ou aos outros, o indivíduo livre não pode ser condicionado por forças deterministas da natureza, nem totalmente submisso à tirania do Estado, da sociedade ou dos outros em geral, mas determina, em parceria com estes, essencial e concretamente, o próprio agir. Ser livre pode ser aquele que age de forma consciente e com vontade, sabendo o que se faz e porquê se faz. Emerge, a este ponto, a necessidade de asseverar que livre é quem é capaz de agir com responsabilidade. O homem livre é um homem que o mundo interroga e que ao mundo responde; por isso é um homem de “respons-abilidade”, ou seja, habilitado em responder. Dominar o próprio agir é motor fundamental da liberdade humana. Mas, tal liberdade, não é escopo para si, ou seja, não tem em si própria um ponto de chegada. Visa a maturidade dos indivíduos, fazê-lo ser um adulto consciente e integrado, abrindo-o à comunhão com os outros. A grande meta é assumir-se e aprofundar o grande conceito de homem que muito aprecio: “ser consciente no mundo, formando, com os outros, comunidades históricas de vida”. A nossa liberdade, como é a liberdade de uma pessoa situada, é também a liberdade de uma pessoa valorizada: eu não sou livre somente pelo fato que explico a minha espontaneidade, mas me torno livre somente se encaminho esta espontaneidade no sentido de uma libertação, ou seja, de uma personalização do mundo e de mim mesmo.
Com certeza, não se tem como afirmar taxativamente um conceito de liberdade que seja rijo ou que consiga açambarcar o que venha a ser. Há que se contar com variantes que imprimem uma impressionante panorâmica essencialmente complexa e marcada por fatores os mais diversos. A saber, fatores de ordem cultural, psicológica, geográfica, social, econômica, étnica, religiosa, política, etc, influirão de forma mais ou menos intensa e quiçá até decisiva na consideração ou definição (ainda que aproximativa) de tais critérios de definição ou de alusão do que venha a ser uma pessoa livre. O sadio senso do real ajuda a afastar o mito da liberdade absoluta. Por conseguinte, a pessoa não é somente o que faz, nem o mundo é aquilo que a pessoa quer, uma vez que o mundo a precede. Por isso a liberdade é a liberdade de uma pessoa situada em si mesma, no mundo e diante dos valores.

A liberdade levará e reconduzirá sempre à liberdade da escolha, da opção. A decisão criadora, em si, realiza o rompimento com um jogo de forças intimidadoras de modo a gerar uma ordem nova, uma inteligibilidade diversificada e para quem assumiu esta decisão se constrói um amadurecimento diferenciado. Trata-se de uma liberdade situada, consciente, aberta ao senso do real: profundamente “pé no chão”. Pode-se dizer também que o homem é todo inteiro e sempre livre interiormente, quando o desejar. A pessoa mesma é que se faz livre, depois de haver escolhido a liberdade. Claro que em situações adversas, nem sempre é fácil manter-se firme nesta escolha em ser livre. Mas, ela está dentro de cada um, mesmo que, o ambiente e os outros atores do processo, possam contribuir ou dificultar, mas nunca impedir. E quando tomar consciência que o seu querer abre muitos caminhos, antes nunca imaginados que existissem. Eis a liberdade, por exemplo, que resta ao deportado no seu cativeiro.

Para que tudo isso não pareça uma utopia distante, deixo o relato do Cardeal vietnamita François-Xavier Nguyên Van Thuân, um bispo que foi posto na prisão por muitos anos, acusado de complô contra o regime comunista de seu país. Ficou vários anos na prisão e deixou um exemplo de como defender a liberdade, mesmo em condições tremendamente adversas.

Sobre a sua prisão pelo regime comunista disse: "Disseram-me que minha nomeação era fruto de um complô entre o Vaticano e os imperialistas para organizar a luta contra o regime comunista", contava Van Thuan:
Vinham-me à mente muitos pensamentos confusos: tristeza, abandono, cansaço depois de três meses de tensões… Porém, em minha mente surgiu claramente uma palavra que dispersou toda a escuridão, a palavra que Monsenhor John Walsh, Bispo missionário na China, pronunciou quando foi libertado depois de doze anos de cativeiro: ‘Passei a metade da minha vida esperando’. É verdadeiríssimo: todos os prisioneiros, inclusive eu, esperam a cada minuto sua libertação. Porém, depois decidi: ‘Eu não esperarei. Vou viver o momento presente, enchendo-o de amor.
De fato, foi o que fez: amou, amou, amou. As condições não eram favoráveis. Durante alguns meses esteve confinado numa cela minúscula, sem janela, úmida, que para respirar passava horas com o rosto enfiado num pequeno buraco no chão. A cama era coberta de fungos.
Os nove primeiros anos foram terríveis: uma tortura mental, no vazio absoluto, sem trabalho, caminhando dentro da cela desde a manhã às nove e meia da noite para não ser destruído pela artrose, no limite da loucura.
Buscava conversar com os carcereiros, que resistiam, mas logo eram seduzidos por sua gentileza e inteligência. Contava-lhes sobre países e culturas diferentes. Isso chamava sua atenção e instigava a curiosidade. Logo começavam a fazer perguntas, o diálogo se estabelecia, a amizade se enraizava. Chegou a dar aulas de inglês e francês.
No começo, a cada semana os guardas eram substituídos, mas logo as autoridades, para evitar que o exército todo fosse "contaminado", deixou uma dupla de carcereiros fixa. Estes espantavam-se de como o prisioneiro pudesse chamar de amigos os seus carcereiros, mas ele afirmava que os amava porque esse era o ensinamento de Jesus.
Esse foi um dos exemplos mais eloquentes e “pé no chão” que já tomei conhecimento sobre o que significa ser livre!
Todos vivem experiências em suas vidas. Eis a pergunta que fica e o divisor de águas que se impõe: não é o que se vive, mas como se vive! Por quê? Quais as reais motivações? O que estas situações concretas me ensinam? Quais as possibilidades? Por isso mesmo, nem mesmo os limites constituem um impedimento: podem nos introduzir no mundo do possível, na acolhida reconciliada do impossível. Além disso, é bom lembrar o seguinte: Muitas vezes o problema não é o problema, mas como se vive o problema. A liberdade encontra no obstáculo, na exigência da escolha e no sacrifício que se impõe, um instrumento de crescimento. Para tanto, progredir constitui um decidido ultrapassar e colher significados das experiências, gerando leituras propositivas, edificantes, desaguando no crescimento pessoal e este por sua vez no crescimento grupal e social. O rio não sobe a montanha, mas serve-se da montanha para traçar livremente seu leito e chegar ao mar.
A liberdade remete-se à qualidade das relações, ao poder de decisão, à capacidade de adesão a valores, projetos, princípios, etc. Pode-se afirmar que a liberdade madura nunca é plenamente realizada. Seus conteúdos e confins não são de fácil definição. Permanece aberta, como todo ideal.

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