quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Texto da aluna Gizele Almeida sobre Deleuze

Ontologia da Diferença, em Deleuze, é o nome expresso para toda uma obra filosófica que responde às questões da Univocidade do Ser, à diferença pensada nela mesma sem mediação. Assim, para dar estatuto ao Ser unívoco, em seu método de pensamento, Deleuze se inclinou para o conhecimento dos casos e das singularidades, o círculo da diferença e da repetição sem as esmagadoras abstrações da Dialética combatendo, neste sentido, as idealidades transcendentes em nome da imanência criadora de vida, conforme Bandiou (1997). De tal modo, empreende-se no projeto nietzscheniano de reversão do platonismo mostrando sua crítica a Platão e a seus sucessores que não só se opuseram a irrealidade dos simulacros como se ocultaram ante sua realidade; Deleuze vem trazer o sentido de uma valorização dos Simulacros.
O que Deleuze propõe em sua filosofia é manifestar a verdadeira motivação platônica ocultada na fórmula subversiva historiada até então, que se preocupava com a simples recusa das aparências e das essências. Assim, ele nos descreve que diferentemente de Aristóteles que visou identificar ou especificar os seres através de um conceito geral, Platão não tinha como objetivo distinguir entre o modelo e a cópia.
Platão funda o método dialético de divisão (introduzindo a ele o mito circular) no intuito de avaliar os rivais, selecionar os pretendentes que pretendiam um fundamento como princípio transcendente, uma espécie de modelo para todos os seres; e busca de forma hierárquica no nível de uma moral, submeter às quatro raízes da representação (à identidade, à oposição, à analogia, à semelhança) a Diferença encarnada no Sofista, no simulacro (o Sofista é o Ser do simulacro, o sátiro, o centauro...), ou seja, estabelecer diferença entre as cópias por meio de uma eleição participativa; a multiplicidade indefinida (os entes) vem representar aí o que deve ser eliminado para evidenciar a Idéia como linhagem pura (o Demiurgo).
Contudo, Platão tentando realizar estas proezas, faz retornar os temas pré-socráticos para a filosofia em que há um parricídio consumado e desta vez com maio evidencia, pois Platão imita precisamente aqueles quem denuncia, os falsos pretendentes. Quando quis provar a realidade do falso, precisou analisar o ser do não-ser (o simulacro não é real, o não-ser é. Mas ele também é o não-ser) traindo a si mesmo e voltando à divisão contra ela própria para evidenciar no desfecho do Sofista a força positiva em simulacros! O sofista é ironicamente confundível com o próprio Sócrates. Assim Deleuze postula: A diferença não é o negativo, todavia, o não-ser que é a Diferença. Oras, aí está à motivação platônica em evidencia, como quis Deleuze: uma potência dialética capaz de medir, ao mesmo tempo, o platonismo e a possibilidade de subversão do platonismo em função de uma verdadeira filosofia da diferença, de uma Ontologia.
O simulacro vem caracterizar um devir, mas um “devir-louco”, sem limite, um devir outro, capaz de subverter profundidades enquanto se esquiva do igual, do semelhante, do limite se constituindo simultaneamente mais e menos sem igualdade, um estado de signo na lógica do eterno retorno. Eterno retorno ao caos que destrói e traga instâncias que colocam a diferença entre o originário e o derivado, a coisa e os simulacros, não permitindo qualquer instauração de uma “fundação-fundamento”. Deste modo, não há mais seleção possível diante do movimento que complica todas as séries, que se dispõe de uma lei que faz todas voltarem em cada uma, subsistindo a identidade. Esta ultima, passa a ser simulada, assim como o mesmo e o semelhante, diante do funcionalismo do simulacro com seu condensado de coexistência e simultâneos acontecimentos.
Assim, a Ontologia da Diferença considera uma só proposição ontológica: “o Ser é Unívoco”.  Este se diz em um só sentido para todas as coisas de que se diz.  Portanto, o designado é o mesmo para sentidos distintos em suas qualidades e o sentido é o mesmo para os modos numericamente distintos, sejam eles individuantes, designantes ou expressantes. Suceder como acontecimento único para tudo que se sucede nas coisas mais diversas é a atuação da univocidade do Ser. Ela é puro acontecimento e puro sentir. Logo, todos os acontecimentos comunicam em um único que é o Ser (o clamor do Ser). Portanto, todo questionamento de Deleuze se direciona ao Uno, ao Ser tornando o múltiplo pensável como produção de simulacros. Quando não há mais causa distanciada, hierarquizada: “o rochedo, a flor de lis, o animal e o homem cantam igualmente a glória de Deus em uma espécie de anarquia coroada”, nas praias de pura imanência.
É possível aí a fluidez dos movimentos imanentes como aquilo que engendra retroações, conexões, proliferações na fractalização, na curvatura de um plano, na infinidade infinitamente redobrada, que faz do pensar e ser uma só coisa. Eis que atravessar as hierarquias por praias de imanência significa então – para inventores e criadores de modos de vida – ressoar em liberdade a potência de um duplo construtivismo filosófico: criar conceitos e traçar um plano. A vida do individuo passa a dar lugar à uma vida impessoal em favor de uma singularidade, que mesmo sem nome o homem não é substituível nem confundido com nenhum outro.
Neste sentido que experimentamos, no teatro da repetição (no eterno retorno), forças puras, traçados dinâmicos que agem sobre o espírito, sem intermediário, unindo-o diretamente à natureza e à história; também experimentamos uma linguagem que fala antes das palavras, gestos que se elaboram antes dos corpos organizados, mascaras antes das faces, espectros e fantasmas antes dos personagens – todo o aparelho da repetição como “potencia terrível”.
Este é o convite deleuzeano, atuar no verdadeiro teatro, onde tudo é simulado em superposição de máscaras. Estas fazem referencia ao verdadeiro movimento (repetição), através do qual o ator desempenha um papel que desempenha outros papéis. Pois a ontologia se confunde com a filosofia, que por sua vez se confunde com a univocidade do Ser que igualmente é imanência, sendo também aquela que gera a circulação da diferença em repetição, para dar legitimidade ao incerto, ao acidental, ao divergente como signos de expressão da essência do Ser, o simulacro em seu valor positivo.

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