quinta-feira, 25 de outubro de 2012


Shalom!

Nesta sexta-feira26 de outubro, logo após o Kidush do Kabalat Shabat (20h30)
a ACIB terá a honra de receber em suas dependências 
Sr. Henry Necrycz, mais conhecido como BEN ABRAHAM
proferindo a palestra


"Holocausto - O Massacre de 6 milhões"

Venha e traga sua família e seus amigos. 


BEN ABRAHAM nasceu em 1924 na cidade polonesa de Lodz. Quando os alemães ocuparam a Polônia foi confinado no gueto de Varsóvia e, posteriormente, enviado a vários campos de concentração, inclusive Auschwitz. Salvando-se por milagre, tomou a si a tarefa de contar ao mundo as suas trágicas experiências, para nunca mais permitir que as mesmas atrocidades se repitam contra quem quer que seja. Ben Abraham escreveu vários livros sobre o assunto com enorme aceitação, com as melhores críticas nacionais e internacionais, sendo inclusive adotados nas escolas e tem sido bastante homenageado por diversas instituições.



ACIB - Associação Cultural Israelita de Brasília
EQN 305/306 
3273-8255

terça-feira, 25 de setembro de 2012


O REI DA GLÓRIA


“Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória... Dizei à filha de Sião: Eis aí te vem o teu Rei, humilde, montado em um jumento, num jumentinho, cria de animal de carga”. (Salmo 24:7, Mateus 21:5).
        Sempre que a palavra “glória” é mencionada o que vem a memória como associação é algo esplendoroso, cheio de “glamour”, de extrema imponência e poder. Na Bíblia existem muitas menções feitas a “Glória de Deus” e também de Jesus, sentado a direita do trono de Deus, coroado de “Glória e Honra”.
        Se observarmos atentamente em nosso dia-a-dia estamos sempre buscando alcançar a glória nos objetivos de nossas vidas. Mas, o que é a “gloria” aos olhos dAquele que foi coroado por ela, diante Deus e de sua encarnação terrena? Creio ser um conceito bem diferente do que habitualmente pensamos.
        Enquanto a grande maioria deseja para seus filhos que eles venham a nascer em um “berço de ouro”; Deus preferiu que o seu único filho nascesse num estábulo e dentro de uma manjedoura fosse acolhido. Muitos gastam tudo o que tem para que seus filhos tenham boas casas e carros no maior e melhor conforto possível. Mas Deus preferiu que seu filho andasse a pé, ou de carona e não tivesse sequer onde reclinar a cabeça. Enquanto o nosso desejo é que nossos filhos vivam eternamente, Deus preferiu que seu precioso filho morresse jovem e vítima de uma injusta condenação.
        O que podemos dizer dos métodos de criação de Deus para com seu filho? Aparentemente poderíamos dizer que sendo Ele dono de tudo o que há, foi extremamente avarento e cruel com seu Unigênito. Porém, é necessário que levemos em consideração a seguinte óptica de análise: de que adianta toda a beleza e pompa extrínseca de se ter nascido em um “berço de ouro”, quando o mais íntimo do coração é um estábulo de manjedoura vazia? Qual a utilidade de travesseiros macios e lençóis de cetim se o reclinar da cabeça traz apenas insônia e pesadelos de uma vida sem norte? Para que se viver eternamente quando o único sentido da vida talvez seja morrer em prol daquilo que acreditamos?
        Atentemos então, para a simplicidade de algo tão grandioso. Para Deus, o que realmente importa é o conteúdo e não a forma, a glória consiste na genuinidade das coisas. Pois, ao entendermos isso é que conseguimos deixar que aconteça o indispensável para nossa salvação no sentido mais amplo da palavra: o nascimento da Verdade ou o clarear de nossos olhos para enxergamos realmente o mundo como ele é. A verdade quando concebida no âmago do estábulo do nosso ser e colocado na manjedoura de nossa percepção, faz com que vivamos felizes nas mais adversas situações e tenhamos o sono dos justos mesmo que os travesseiros sejam de pedras. Nos dispõe a entregar a vida tranqüilamente pela única causa que realmente importa, o amor.
        As vezes queremos ver a Glória de Deus entrar em nossas vidas pelos portais de bronze de conquistas faraônicas. No entanto, Deus quer entrar em nossas vidas montado num jumento nos trazendo a real felicidade. Olhamos para o céu e esperamos que ele se abra para que desça um milagre e nos esquecemos que já é um milagre abrirmos os olhos e contemplarmos a multiplicidade da vida que nos cerca.


                                               Márcio Cristóvão 
                                                       “EU”...

domingo, 9 de setembro de 2012


EM QUE COINCIDEM AS VISÕES ANTROPOLÓGICAS DE MONTAIGNE E PASCAL?


Alfredo de Moraes Rêgo Carneiro


Resumo: A Era Moderna corresponde a um aumento da diversidade cultural, causada pela decadência do sistema feudal e surgimento do capitalismo. A Igreja Católica ainda mantém forte influência e os pensadores modernos, como Montaigne e Pascal, enfrentam a pluralidade de perspectivas que surge com o choque de culturas e costumes. É dentro desta nova realidade que os filósofos modernos deverão responder o que é a natureza humana. Tanto Montaigne como Pascal eram pensadores cristãos, o que decisivamente influenciou suas filosofias, mas, apesar disso, suas ideias diferem em vários pontos, coincidindo apenas na percepção do homem como ser limitado e vítima das circunstâncias, restando a ele apenas salvação pela aceitação da fé cristã.

Palavras Chave: Blaise Pascal, Michel de Montaigne, Antropologia Filosófica, Filosofia.


1. INTRODUÇÃO
As visões antropológicas de Montaigne e Pascal foram concebidas durante o período Moderno, que vai do século XVI ao XVIII. A influência do cristianismo ainda é muito forte, com a exceção do mundo oriental. No entanto, essa época corresponde a uma circulação cada vez maior, na Europa, de culturas, costumes e valores, além de um crescente questionamento do poder da igreja católica. É esse também o período da reforma protestante e do renascimento.
Pensar o homem, durante a Idade Moderna, implicava em responder aos questionamentos que surgem da pluralidade de perspectivas, ocorrida com o encontro de povos estimulado pelo surgimento do capitalismo e derrocada do feudalismo. O relativismo cultural e o ceticismo se tornam ideias cada vez mais difundidas. Os costumes considerados sagrados por um povo eram heréticos para outro, o Deus cristão se confronta com outros deuses e outras visões de mundo. Devido a isso, alguns filósofos modernos, entre eles Montaigne e Locke, passam a definir o homem como vítima do destino, não persistindo nele singularidade alguma além dos estímulos do meio em que vive. Os pensadores inseridos nesse período têm de se haver como todas essas questões para responder uma das perguntas fundamentais da filosofia: o que é o homem?
 Montaigne não se deixa captar tão facilmente, devido à ambiguidade e contradição que permeiam sua principal obra, Os Ensaios. A falta de sistematização reflete sua perspectiva cética baseada no relativismo cultural.
Para Montaigne, o conhecimento humano não é nada confiável, pois, sofrendo a influência de fatores diversos, não pode ser avaliado com precisão. Segundo ele, “dois homens nunca tiveram a mesma opinião sobre a mesma coisa”. Como Sócrates, que disse saber apenas que nada sabia, Montaigne iguala o dogmatismo à ignorância, e o estilo não-sistemático de sua filosofia reflete sua opinião de que nossa atitude de ordenar o conhecimento humano é vã. (OLIVER, 1998, p. 64)
Devido a isso, Montaigne adotou um estilo de investigação original para sua época, buscando analisar a si e ao mundo de forma espontânea, saltando de um assunto a outro conforme sua disposição e interesse. Sua percepção do homem como vítima das circunstâncias e incapaz de atingir qualquer verdade através da razão é norteadora de seu ceticismo.
Somos vítimas da inconstância, da irresolução, da incerteza, do luto, da superstição, da preocupação com a morte, inclusive o de depois da morte, da ambição, da avareza, do ciúme, da inveja, dos apetites desregrados e insopitáveis, da guerra, da mentira, da deslealdade, da intriga, da curiosidade. Pagamos, pois, bem caro a tão decantada razão de que nos jactamos, e a faculdade de julgar e conhecer, se a alcançamos, é à custa do número infinito de paixões que nos assaltam sem cessar. (MONTAIGNE, 1972, p.229)
Pascal, por sua vez, tenta indicar uma ideia mais clara sobre o homem, que vai diretamente ao encontro da verdade estabelecida pela fé cristã, e critica a falta de sistematização de Montaigne, relacionando sua falta de clareza a uma visão deturpada de homem e de mundo, influenciada pelo paganismo e desrespeito a Deus e à vida. De fato, Montaigne submeteu seu livro, Os Ensaios, à censura Papal e recebeu ressalvas, mas sem impeditivos à sua publicação. Mesmo assim, Pascal ataca Montaigne:
Ele inspira uma despreocupação com a salvação, sem temor e sem arrependimento. Não tendo o seu livro sido feito para conduzir à piedade, ele não estava obrigado a isso, mas sempre se está obrigado a não desviar-se dela. Pode-se desculpar os seus sentimentos algo livres e voluptuosos em alguns encontros da vida, mas não se pode desculpar seus sentimentos pagãos a respeito da morte. (PASCAL, 2000. p. 279. Pensamento 680).
Pascal aponta o homem como ser miserável, vítima das circunstâncias, no entanto dotado de consciência que lhe confere dignidade, pois só o homem, apesar de sua impotência, é consciente de sua condição.
O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Mas, ainda que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre que aquilo que o mata, pois ele sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele. (PASCAL, 2000. p. 86. Pensamento 200).

2. O PENSAMENTO DE MONTAIGNE NA APOLOGIA
Montaigne apresenta sua visão de natureza humana através da defesa dos argumentos do livro “Teologia Natural ou Livro das Criaturas”, de Raymond Sebond, presente dado por Pierre Buñel ao pai de Montaigne. Buñel defendia que a Reforma de Lutero era uma doença que iria degenerar na disseminação do ateísmo, e a leitura de Sebond era apropriada às circunstâncias, uma vez que o livro era uma defesa da existência de Deus, realizada através da demonstração da sabedoria da natureza.
A esse respeito Buñel mostrava-se clarividente, prevendo, simplesmente pelo raciocínio que esse princípio de doença degeneraria logo em execrável ateísmo, isso porque o vulgo, não sendo capaz de julgar as coisas em si, se atém às aparências. Quando se põem em dúvida certos pontos de sua religião, submetendo-os a seu julgamento, ele acaba muito rapidamente a sentir a mesma incerteza com todas suas demais crenças. (MONTAIGNE, 1972, p.209)
Raymond Sebond, era um médico espanhol do século XIV, e sua obra é um considerada um marco da Teologia Natural, que tenta provar a existência de Deus sem recorrer a revelações.
A defesa dos argumentos de Sebond, realizada por Montaigne no ensaio Apologia a Raymond Sebond, é um artifício utilizado para defender sua própria visão de natureza humana. Montaigne ataca a razão como algo limitado e incapaz de apreender a sabedoria divina, que somente poderia ser percebida através da fé.
Abandonados unicamente à nossa inteligência, não seremos capazes, pois se assim fosse, muitos espíritos superiores e privilegiados como os que floresceram nos séculos passados teriam chegado à fé por intermédio da razão. É somente a fé que nos revela os inefáveis mistérios de nossa religião e nos confirma sua verdade. (MONTAIGNE, 1972, p.209).
No entanto, Montaigne tem um estilo que dificulta a definição de sua real posição, uma vez que, neste ensaio, tanto defende a religião cristã quanto ataca os costumes cristãos. Sua crítica aos cristãos procura demonstrar que eles mesmos não compreendem e não seguem os preceitos de sua religião como deveriam.
Deveríamos envergonhar-nos. O adepto de qualquer seita humana, por estranha que seja, a ela adapta rigorosamente sua conduta, e nós outros cristãos só nos unimos à nossa divina doutrina por palavras. Quereis prova? Comparai nossos costumes aos dos maometanos e dos pagãos e  vede quanto os nossos são inferiores, mesmo quando devido à superioridade de nossa religião deveríamos brilhar extraordinariamente. Cumpriria que dissessem: são justos, caridosos e bons, logo devem ser cristãos. (MONTAIGNE, 1972, p.209).
Ao longo do ensaio, Montaigne cita vários exemplos de comportamento e lealdade dos animais, procurando demonstrar a superioridade e sabedoria encontradas na natureza, principalmente quando comparadas com nosso comportamento e nossa razão.  Para Montaigne, as obras dos animais não são sequer compreendidas pela razão humana e de forma alguma podemos ter a pretensão de nos sentirmos superiores a eles.
Constatamos que na maior parte de seus trabalhos e obras os animais nos são superiores e que nossa arte não consegue imitar-lhes com grande êxito as realizações, e no entanto no que fazemos, inferior ao que fazem os bichos, pomos toda nossa alma e apelamos para nossas faculdades. (MONTAIGNE, 1972, p.216)
O aspecto moral do comportamento dos animais é outro recurso por ele utilizado para atacar a moral dos homens, julgando-a frágil e condicionada pela cultura e costumes locais. Mesmo em sua moralidade, os animais seriam superiores a nós.
Se, para sermos justos, devemos dar a cada um o que lhe é devido, diremos que os animais servem, amam e defendem seus benfeitores; perseguem e agridem os estranhos e os que os ofendem, praticando uma justiça igual a nossa. E vemos também que tratam com equidade perfeita seus filhos. Quanto à amizade praticam-na os animais, sem dúvida alguma, de forma mais constante e viva do que o homem. (MONTAIGNE, 1972, p.222)
Montaigne é considerado um cético e adotou o relativismo cultural, o que pode ter influenciado seu estilo contraditório. Sua obra Ensaios é uma afirmação desse relativismo, uma vez que não é sistematizada, mas uma coleção de ensaios que eram escritos de acordo com seu interesse e disposição, o que reflete sua visão sobre a natureza humana. O homem, para esse filósofo francês, é vítima das circunstâncias, dos costumes e não tem em si nada de singular ou verdadeiro, uma vez que a própria verdade é também relativa.
Mediante esse relativismo, defende a submissão do homem à tradição (no seu caso, a tradição cristã), uma vez que não existe verdade alguma, é mais seguro e conveniente adotar a verdade de sua cultura, pois a substituição de uma crença por outra implicaria, em um curto espaço de tempo, a não ter crença alguma.
Temos, portanto, quando se apresenta uma nova doutrina, razões de sobra para desconfiar e lembrar que antes prevalecia a doutrina oposta. Assim como esta foi derrubada pela recente, no futuro uma terceira substituirá provavelmente a segunda. {...} Quando me atiram um argumento novo, ponho-me a pensar que o que não pude resolver, outro resolverá e que dar fé a todas as aparências de que não nos podemos defender é grande simplicidade. (MONTAIGNE, 1972, p.268)
Por fim, Montaigne exalta sua própria religião, no entanto, não deixa claro se sua escolha se deve à crença da superioridade de sua religião ou à conveniência da submissão à tradição.
Não tampouco pode ocorrer que o homem se eleve acima de si mesmo e da humanidade, porque só pode ver com seus olhos e aprender com seus próprios meios. Elevar-se-á, se Deus lhe quiser dar a mão. Elevar-se-á sob a condição de abandonar seus meios de ação, de renunciar a eles e se deixar erguer. {...} É nossa fé cristã, e não a virtude estóica dos filósofos, que pode operar essa divina e milagrosa metamorfose. (MONTAIGNE, 1972, p.283)

3. O PENSAMENTO DE PASCAL
Se em Montaigne nós temos um ceticismo que é oriundo do relativismo cultural, em Pascal esse ceticismo é superado pela percepção de uma “razão do coração”.  O homem não é apenas fruto de sua cultura e seus costumes, mas tem em si uma razão que é além da razão. Dessa forma, Pascal indica uma concepção de natureza humana formada pela razão e pela emoção.
O coração tem razões que a razão desconhece; sabe-se disso em mil coisas. Digo que o coração ama o ser universal naturalmente e a si mesmo naturalmente, conforme ao que se dedica, e ele se endurece contra um ou outra à sua escolha. Rejeitastes a um e ficastes com o outro; será pela razão que vos amais? (PASCAL, 2000. p. 164. Pensamento 423).
Portanto, se em Descartes a racionalidade se separa da razão, em Pascal teremos uma fusão desses dois elementos. Pascal, assim como Montaigne, vê o homem como um ser miserável e subjugado pela natureza, no entanto Pascal indica que ele é o único com consciência de sua condição, o que o faz mais digno que os outros seres. Sua natureza racional e emocional o faz perceber sua real condição. Essa percepção é oriunda da razão do coração.
Se em Montaigne temos a aceitação da religião cristã por conveniência, em Pascal essa aceitação é a única forma de restituir a unidade do homem. Pascal defende o cristianismo como único caminho possível para retornar ao criador. Nossa natureza é constituída da origem divina e da miséria humana, esta última proveniente do pecado original. São as razões do coração, contraditórias quando observadas de forma puramente racional, que restituem a dignidade do homem.
É o coração que sente a Deus e não a razão. Eis o que é a fé, Deus sensível ao coração, não à razão. Pensamento 424.
A religião cristã é a única a tornar o homem amável e feliz ao mesmo tempo; na fidalguia não se pode ser amável e feliz ao mesmo tempo. Pensamento 426. (PASCAL, 2000. p.164)
Pascal chega a desprezar as demais religiões como incapazes de restituir esta unidade, pois a redenção só seria possível através de figura de Jesus Cristo. Não é o caso de apenas crer em Deus, em uma instância superior que a tudo governa, mas crer em Deus através de Jesus Cristo.
Não somente nós não conhecemos a Deus senão por Jesus Cristo, mas não conhecemos a nós mesmos senão por Jesus Cristo; não conhecemos a vida, a morte senão por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo não sabemos é nem nossa vida, nem nossa morte, nem Deus, nem nós mesmos. Assim, sem as Escrituras, que só têm a Jesus Cristo como objeto, não conhecemos nada e não vemos senão obscuridade e confusão na natureza de Deus e na própria natureza. (PASCAL, 2000. p. 157-158. Pensamento 417).
 Dessa forma, temos em Pascal uma concepção da natureza humana que é racional e divina. A imagem de Deus está impressa no coração do homem, a razão do coração é o sentimento de origem divina que está além de toda racionalidade. No entanto, a razão do coração, em Pascal, nos aponta para a verdade absoluta da religião cristã e de Jesus Cristo. É através da religião cristã que percebemos nossa miséria, oriunda do pecado original, e ao mesmo tempo, através da reflexão dessa condição, nos tornamos conscientes. A razão do coração nos dá dignidade e grandeza ao assumir a parcela divina de nossa natureza.
O próprio Pascal aponta a contradição entre o racional instrumental e o racional sentimental. Mas isso se dá pelo fato que a razão não pode compreender aquilo que a ultrapassa, e que o próprio pensamento racional é ilusório e não pode requerer para si verdade absoluta, pois a compreensão da verdade está acima da capacidade racional. A racionalidade sempre será contraditória, pois assume somente um lado da natureza humana, a saber, o mais miserável. Enquanto que, em Pascal, o absoluto se revelou na natureza oposta de Jesus Cristo, que era homem e Deus. E é o homem, então, humano e divino. Tal é a concepção da natureza humana em Pascal.

4. EM QUE COINCIDEM AS VISÕES ANTROPOLÓGICAS DE MONTAIGNE E PASCAL?
Apesar das críticas de Pascal a Montaigne, existem elementos comuns em suas concepções antropológicas. Tanto Pascal quanto Montaigne advogam que o homem é um ser miserável e suscetível a todo tipo de influência.  Diante disso, Montaigne sugeriu a submissão à tradição, pois se não temos como obter conhecimento seguro sobre coisa alguma, é mais conveniente buscar o conforto das verdades estabelecidas. Pascal, por sua vez, percebe a condição vulnerável do homem, mas indica que o homem tem também uma natureza dupla, divina e humana, e ao ouvir as razões do coração e aceitar a redenção na figura de Cristo, adquire consciência e dignidade. Apesar das diferentes soluções dadas por esses filósofos, a percepção de uma condição humana frágil e suscetível é o fator comum de seus pensamentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MONTAIGNE, Michel de. Os Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. Editora Abril, 1972.
OLIVER, Martyn. História Ilustrada da Filosofia. Tradução de Adriano Toledo Piza.  Barueri: Editora Manole, 1998.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. Tradução de Mário Laranjeira.  (Edição Louis Lafuma). São Paulo: Martins Fontes, 2000.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012


MÉTODO DAS PARTIDAS DOBRADAS




Lembro-me que no primeiro semestre da faculdade de Administração que fiz em 2004, estudei na disciplina de Contabilidade aquilo que chamamos de Método das Partidas Dobradas. Este consiste no seguinte: “para cada débito efetuado é necessário haver um crédito equivalente. E para cada credito efetuado é necessário haver um débito equivalente”. Nesse mesmo ano, ingressei no serviço bancário, onde ao começar a trabalhar na função de caixa, percebi a importância desse método para meu serviço diário. Afinal, no caixa, aquilo que de alguma forma entra tem que sair e o que sai precisa entrar, para que não ocorram incomodas diferenças.
         Porém, foi nesta manhã, que, ao ler o capítulo cinco do livro de Romanos é que percebi que isso que aprendi no espaço acadêmico e no trabalho é muito mais do que um simples “método”. No verso doze deste capítulo diz: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”. Logo adiante no verso quinze diz: “Todavia, não é assim o Dom gratuito como a ofensa; porque, se pela ofensa de um só morreram muitos,  muitos mais a graça e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foram abundantes sobre muitos”. O que observei nesses dois versículos é que o método da contabilidade, ao meu ver( e acredito que é Deus quem assim me mostra), é a segunda lei que rege a existente realidade deste Universo que acreditamos viver: Para cada ato, pensamento, sentimento e demais coisas e acontecimentos, existe uma equivalência oposta (a primeira lei acredito eu ser a que diz que “aquilo que se planta é o que se colhe”). Se atentarmos para esses versos, veremos sucessivamente uma referencia feita a Adão, autor da decadência da raça humana, e a Jesus Cristo, redentor dos pecados da humanidade. Temos aí o “débito” e o “credito” no “caixa” de Deus.
         Não poucas vezes ficamos frustrados, como o poeta Augusto dos Anjos, que diz em um de seus mais conhecidos versos: “a mão que te afaga é a mesma que te apedreja”. E assim ficamos por presenciarmos fatos onde o bem é pago com o mal. Como pais que dão tudo para os filhos e depois, como cansamos de ver em noticiários, por eles são assassinados. Diversas outras vezes também ficamos maravilhados ao assistirmos o mal sendo pago com o bem. Aí está um exemplo difícil de se achar, pois o mundo parece viver falido em seus “débitos”. Mas ainda sim existem exemplos a serem citados. E para não ir muito longe, posso falar acerca de minha amada mãe, que, mesmo após ouvir coisas não agradáveis ditas por mim em meus momentos de vilão, me presenteia com lindas flores, doces e salgados e ainda diz : eu te amo meu filho!
         Não é de admirar que pensemos se tais contrastes fazem realmente sentido. Não vemos que Deus equilibra suas equações para evitar eventuais “diferenças” em seu “caixa” por assim dizer. Pois, como nos deleitaríamos na satisfação de fazer o bem sem conhecer o desprazer do mal? Como sobreviveríamos aos momentos de total desolação que ocorrem nos mais diversos sentidos de nossas vidas, se não soubéssemos que mesmo a custa de muita perseverança, as coisas sempre podem melhorar?
         Quando nos negamos a ver a verdade que muitas vezes nos salta aos olhos nas lições da vida, quando em meio a tantos “débitos” e “créditos” do existir, não debitamos velhos defeitos e creditamos novas virtudes, fazemos com que o “caixa” de Deus seja acometido de uma “ativa diferença”.  E o que é pior, o débito de nossa ignorância acaba sendo sanado pelo crédito de uma amarga morte em todos os aspectos de nossa pensante existência. Portanto, “em tudo daí graças” (1 Ts 5:18), porque nada acontece por acaso. Pois, “o acaso é maneira que Deus tem de fazer anonimamente seus milagres”.




Márcio Cristóvão
“EU”...

Uma observação sobre Espinosa


Da mesma forma que Giornado Bruno(1548 -1600) foi condenado à fogueira por afirmar que o universo é infinito, igualando Deus à natureza, Baruch Espinosa(1632-1677) foi expulso da comunidade judaica e condenado ao ostracismo por afirmar que todas as coisas que existem são variações de uma única substância, que é o próprio Deus. Tanto a visão de Giordano como a de Espinosa são visões panteístas da natureza, ou seja, igualam Deus à natureza. Esta é também uma perspectiva pagã, algo inaceitável para tradição judaico-cristã.
Deus não é o Deus criador do mundo, como afirmam as religiões monoteístas, nem o Motor Imóvel de Aristóteles, que a tudo movimenta, também não existe uma separação corpo-espírito (duas substâncias), como afirmou Descartes.  Deus é uma substância única, e todas as coisas que existem são variações dos atributos infinitos dessa substância fundamental.   Deus é o próprio mundo, Deus é a própria natureza. Espinosa declara então: “Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido”.  Nossa mente e nosso corpo finitos são apenas dois atributos dessa substância infinita. Para Espinosa, nós somos, vivemos e nos movimentamos em Deus.
Por causa dessa concepção, Espinosa foi considerado, em sua época, um filósofo maldito. Foi acusado de ateísmo, panteísmo e materialismo. Afirmar que Deus também era matéria era uma heresia. Seus livros foram proibidos e mal interpretados. Como todo jovem judeu aprendia um ofício, Espinosa aprendeu a polir lentes e sobreviveu desse ofício até sua morte. Algo muito simbólico para um filósofo que limpou a lente de sua consciência e viu Deus de uma perspectiva totalmente nova. Não sem motivo foi chamado de “o polidor de lentes embriagado de Deus”, e foi o filósofo mais admirado por Albert Einstein.
 Alfredo Carneiro (estudante do quarto semestre de Filosofia)

APOLOGIA DO CRISTIANISMO: NO QUE OS ARGUMENTOS DE MONTAIGNE E PASCAL A FAVOR DA RELIGIÃO SE APROXIMAM


ANITA MORGENSZTERN


Resumo:
Após um breve resumo sobre a vida de Michel de Montaigne e de Blaise Pascal, este artigo apresenta as visões que os filósofos têm em comum sobre a defesa do cristianismo. São analisadas as obras Pensamentos, de Pascal, e Apologia de Reymond Sebond, de Montaigne. Incluídos nesta abordagem estão os conceitos de graça divina, sentidos como fontes não confiáveis de conhecimento, falácia da ignorância, utilidade da crença em Deus e o papel dos sentidos para o conhecimento. Conclui-se que a religião pode ser defendida filosoficamente, como fizeram Montaigne, Pascal e tantos outros filósofos da Idade Média e contemporânea.

Palavras-chave: Montaigne. Pascal. Apologia. Cristianismo. Ceticismo.

1. INTRODUÇÃO
Michel de Montaigne, filósofo francês do século XVI, apresenta uma vertente cética em sua análise do homem. Extremamente influenciado pelos escritos do Sexto Empírico, Montaigne aplica os pressupostos céticos ao relativismo que encontra entre culturas e costumes. Pessoas do mundo inteiro vivem de acordo com princípios tão diferentes, que um conhecimento objetivo da moral, por exemplo, seria impossível. Mas esse seu ceticismo não o impediu de defender a religião cristã.
Um dos textos em que Montaigne mais defende a fé cristã é a Apologia de Raymond Sebond. Nele, o filósofo fala sobre suas concepções de racionalidade, religião, ceticismo, relativismo de costumes, aplicações práticas da razão, entre outros. Porém, o assunto mais latente, em torno do qual giram os outros comentários, parece ser o da defesa da religião por meio da razão, mas sem ter como fundamento da aceitação da religião o uso da razão. Ou seja, ele se utiliza de argumentos racionais - como quando argumenta a impossibilidade de um mundo tão complexo ter-se feito sem um criador (MONTAIGNE, 2004, p.377 e 379) ou quando explica que o fato de não podermos ver algo não implica que este algo não existe (p.381) - para defender o cristianismo, mas parece acreditar que é preciso aceitar a revelação da verdade concedida pela graça divina. Falando sobre a obra que interpreta, o livro de Raymond Sebond, Montaigne resume o objetivo de sua apologia: “O objetivo deste é ousado e corajoso, pois se propõe estabelecer e provar, contra os ateus, todos os artigos de fé da religião cristã...” (MONTAIGNE, 2004, p. 371).  
Pascal, depois de realizar importantes estudos em matemática, geometria e física, passa a se dedicar exclusivamente à filosofia como explicação e justificação da religião cristã. Ele foi influenciado pelo jansenismo, doutrina cristã que enfatizava a corrupção e miséria da natureza humana, o que transparece em seus escritos teológicos. A doutrina de Cornélio Jansênio, baseada em sua interpretação dos escritos de Santo Agostinho, foca a dualidade da natureza humana que pode pender para a graça ou para a concupiscência. A miséria do ser humano deve-se ao pecado original e, desde então, é inerente ao homem. Essa condição miserável do homem está relacionada ao seu modo de viver, suas crenças e à prioridade que dá às coisas que não têm real valor. O ser humano, segundo Pascal, sucumbe às suas paixões e não consegue julgar por si próprio que os prazeres materiais são supérfluos e que a miséria do homem consiste na negação da palavra de Deus. O homem tem a capacidade de se transcender e pensar sobre si mesmo e sobre o mundo, mas apenas aceitando o cristianismo é que ele pode conseguir a salvação e contemplar a realidade como um esquema divino do qual o homem faz parte.
Mas que concluam o que quiserem contra o deísmo, nada concluirão contra a religião cristã, que consiste propriamente no mistério do redentor, o qual, unindo nele as duas naturezas, a divina e a humana, tirou os homens da corrupção do pecado para reconciliá-los com Deus em sua pessoa divina. (Pensamento 556: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 177)
Antes de iniciar o artigo, faz-se necessário o esclarecimento de três conceitos que serão abordados para diferenciar e caracterizar as abordagens de Montaigne e Pascal quanto à religião cristã e à existência de Deus. São eles, deísmo, teísmo e fideísmo.
Fideísmo é a noção de que não se pode explicar a fé com argumentos racionais. As crenças religiosas não poderiam ser justificadas com argumentos, mas somente por meio da fé e da graça divina. Esse conceito pressupõe a limitação da razão humana para compreender questões transcendentes, como a existência de Deus.
Deísmo é o conceito segundo o qual existe um Deus criador, mas ele não interfere na criação e não revela nenhum código de conduta moral. A ética do homem, de acordo com essa noção, deve ser derivada da razão.
Teísmo é a concepção adotada pelas grandes religiões monoteístas. Deus é o único criador, é onisciente, onipotente e participa da sua criação. Ele é um ser ético, perfeitamente bom, que revela ao ser humano os valores morais que este tem de seguir.
Montaigne e Pascal trazem uma abordagem teísta acerca de Deus, já que defendem a religião cristã. Montaigne, em algumas passagens, demonstra um certo fideísmo ao defender a adoção do cristianismo como resultado da aceitação da graça e da revelação divina. Pascal, apesar de advogar a graça como dom divino que faz parte da natureza humana (junto com a corrupção do pecado), acreditava ser possível, até um certo ponto, fundamentar a fé com a razão.
Apresento alguns temas em comum de defesa da fé cristã apresentados pelos dois filósofos em suas obras Apologia de Reymond Sebond (Montaigne) e Pensamentos (Pascal), tentando responder à questão “No que os argumentos de Pascal e Montaigne em favor da religião se aproximam?”.
2. GRAÇA E REVELAÇÃO DIVINA COMO ÚNICO MODO DE CONHECER DEUS
O conceito de revelação divina como forma de conhecer Deus é defendido pelos dois filósofos. O argumento, que de certa forma toca o ceticismo, é o de que o ser humano não tem capacidade de conhecer Deus se contar apenas com seus próprios esforços racionais. Em certas passagens das obras analisadas, Montaigne e Pascal tentam nos mostrar que a racionalidade do ser humano é insuficiente para abarcar a realidade metafísica de Deus, com a distinção de que a crítica epistemológica de Montaigne diz respeito a todas as áreas de conhecimento. Já Pascal, baseado em sua concepção dualista da natureza humana, direciona sua crítica à capacidade do homem conhecer Deus, e não as ciências naturais, pelas vias da razão. Apesar disso, não se pode afirmar que Pascal seja também fideísta, pois ele apresenta argumentos racionais que indicam a existência de Deus (Pensamento 233: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p.98 até 101). A posição cética de Montaigne é fundamentada em suas viagens e constatações de relativismo cultural entre os povos. “Há povos entre os quais as mulheres pertencem a vários homens e outros em que cada um tem a sua”, “(...) Acreditam em gigantes. Mulheres e servidores disputam a honra de morrer com o marido ou senhor. O primogênito herda tudo o que possui o pai.” (MONTAIGNE, 2004, p. 401 e 481) O seguinte trecho é explícito quanto à revelação divina como forma de conhecimento: “O laço que deveria (...) envolver nossa alma e ligá-la ao Criador não deveria decorrer de nossas considerações, nem de nossos raciocínios, e sim de um abraço divino e sobrenatural, (...) emanado de Deus e Sua graça.” (MONTAIGNE, 2004, p. 376). Eis um exemplo claro de como Montaigne preconizava uma espécie de suspensão da razão e entrega à crença cristã. Pascal traz a graça como elemento constituinte do ser humano. Apesar de não demonstrar o fideísmo de algumas passagens da Apologia de Montaigne, Pascal reforça o peso da graça em oposição à razão com estes trechos, entre outros: “(...) pois ter sempre provas à mão é demasiado penoso.” e “A fé é um dom de Deus; não imagineis que a consideramos um dom do raciocínio.” (Pensamentos 252 e 279: Bruschvicg. PASCAL, 1973, p. 107 e 111). A graça de Deus seria o elemento responsável por realizar a união do humano ao divino, reconstituindo a unidade da natureza dual do homem. “É em vão, ó homens, que procurais em vós mesmos o remédio para as vossas misérias.” (Pensamento 430: Bruschvicg. PASCAL, p.144). Todos esses trechos também apontam para o caráter transcendente de Deus, que está além do entendimento humano. Pela razão, o homem deve entender que não pode entender Deus sozinho.
3. ARGUMENTOS CONTRA OS ATEUS
Para se defender das críticas contra a religião, um dos ataques pode ser direcionado a quem não acredita nela. Os argumentos dos ateus são refutados por Montaigne e Pascal. Montaigne tende para o argumento de que nenhum ateu o é verdadeiramente. Segundo ele, os ateus são rebeldes que querem aparecer, mas que, na hora da dificuldade, acabam apelando para Deus, não conseguem internalizar suas convicções ateístas a ponto de realmente seguirem não acreditando em Deus em todas as situações da vida, como está escrito no trecho “...se esses ateus são bastante loucos para se dizerem ateus, não são suficientemente fortes para implantar tal convicção em sua consciência.” (MONTAIGNE, 2004, p.376). Montaigne faz também uma espécie de “ataque pessoal” contra os ateus, que seriam pessoas maliciosas, inclinadas a interpretar qualquer coisa sob o olhar do ateísmo. “Para o ateu, tudo o que se escreve tem alguma relação com o ateísmo e ele envenena com seu próprio veneno o mais inocente pensamento.” (MONTAIGNE, 2004, P.378). Pascal já elabora mais sua crítica aos ateus e defende que eles não conhecem a fundo a religião que tentam atacar. Além disso, ele monta o argumento de que não há razões nem conhecimento suficiente para que eles provem que alguns aspectos da religião sejam falsos, como por exemplo, a imaterialidade da alma e a ressureição. Para ele, “os ateus devem dizer coisas perfeitamente claras; não é perfeitamente claro que a alma seja material.” e “Que razões eles têm para dizer que não se pode ressuscitar?”. (Pensamentos 221 e 222: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 96). Ou seja, os ateus não conseguiriam comprovar, por meio de seu principal método, o do raciocínio, que alguns elementos do cristianismo são falsos. Pascal também tenta argumentar a favor de alguns temas controversos que os ateus geralmente usam para refutar a plausibilidade do cristianismo. Nos pensamentos 222, 223 e 224 da edição de Brunschvicg (PASCAL, 1973, P.96), o filósofo defende a ressureição e o parto da virgem. A lógica é a seguinte: nascer é “chegar a ser” e ressurgir é voltar a ser. Seria mais fácil voltar a ser do que chegar a ser. Não é porque estamos acostumados com a ideia do nascimento e que não presenciamos uma ressureição que devemos rejeitar esta última. Quanto ao parto da virgem, ele faz a analogia da galinha, que bota ovos sem a ajuda do galo. Não poderíamos, segundo Pascal, ter a garantia de que a galinha não tenha formado os ovos independentemente. Isto é, esta é uma possibilidade que, assim como a do parto virgem, poderia ser considerada como possível, e não como completamente absurda.
4. ARGUMENTO CONTRA A FALÁCIA DA IGNORÂNCIA
Dizer que uma coisa não é verdadeira porque não podemos prová-la empiricamente é uma espécie de falácia da ignorância. É o argumento de que se não conhecemos, é porque não existe. Mais especificamente, os opositores do deísmo ou do teísmo muitas vezes se utilizam desta falácia para comprovar a inexistência de Deus. Como comprovar empiricamente a existência de um ser que, por definição, é imaterial e está além do espaço e do tempo? Isso foi refutado inúmeras vezes ao longo da história com descobertas que o homem acreditava não serem possíveis. Apesar de essas descobertas serem científicas/empíricas, a ideia é que há a possibilidade de existirem coisas que não podemos ainda enxergar. Se não se descobriu até hoje vida em outros planetas, quer dizer que não existe vida em outros planetas? “Se tudo o que não vemos não existisse, nossa ciência se acharia muito empobrecida.” (MONTAIGNE, 2004, p.381).
Essa linha de argumentação é usada por Montaigne e Pascal. “Nada vemos que se assemelhe ao sol, mas do fato de nada termos visto de semelhante concluiremos que não existe, como não existiriam seus movimentos de rotação porque não conhecemos coisa equivalente?” (MONTAIGNE, 2004, p.381) O fato de não podermos provar empiricamente a existência de Deus não significa que Ele não exista. Para isso, Montaigne cita Santo Agostinho, que em sua defesa da existência de Deus, “cita-lhes fatos conhecidos e indiscutíveis que o homem confessa não poder explicar.” (MONTAIGNE, 2004, p. 378-379). Quando faz sua longa descrição sobre os animais e os compara ao ser humano, Montaigne conclui: “É portanto inexplicável a nossa vaidade de querer considerar inferior e interpretar desdenhosamente o que não somos capazes nem de imitar, nem de entender.” (MONTAIGNE, 2004, p.403).
Montaigne ressalta a arrogância do homem de achar que sabe tudo e de pensar que o que não sabe, não existe. A própria característica do transcendente, do “milagre” é algo que deveria fazer o homem acreditar em Deus. “O mal do homem está em pensar que sabe” e “Deparar com algo incrível é para o cristão uma oportunidade de crer.” (MONTAIGNE, 2004, p.409 e p.417).
Pascal é direto: “Nem tudo o que é incompreensível deixa de existir.” (Pensamento 430:Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 145). Aqui mais uma vez tem-se a comparação com a ciência e a analogia de que o homem não pode enxergar toda a realidade. E isso não significa que ela não exista. Pascal ressalta também a pequenez e a limitação da racionalidade do homem. “É incrível que Deus se nos una? Essa consideração só decorre da visão da nossa baixeza. (...) reconhecei que somos tão baixos que somos incapazes de conhecer se sua misericórdia pode tornar-nos dignos dele.” (Pensamento 430: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 145). A limitação da racionalidade humana serve de base para o argumento de que o conhecimento do homem não é a medida da realidade.
5. QUAL A UTILIDADE DA RELIGIÃO/CRENÇA EM DEUS?
Como explicado em 2., há traços de fideísmo na obra de Montaigne. O ceticismo como filosofia acaba negando a própria filosofia quando versa sobre religião. Para Montaigne, o “mal do homem está em pensar que sabe” (MONTAIGNE, 2004, p. 409). De acordo com o filósofo, a crença em Deus, em geral, é uma questão de hábitos culturais. Quem nasce numa família católica, por exemplo, torna-se católico. Quem faz parte de alguma cultura indígena, segue as crenças e rituais de sua tribo etc. Não que ele ache que devemos nos conformar com o que nos é imposto, mas ele constata que a realidade é dessa maneira. Assim, a religião serviria para que as pessoas moldassem sua conduta. Sendo o cristianismo a verdade revelada, ele aparece como a melhor opção de comportamento a ser seguido. Para Montaigne, se os cristãos acreditassem realmente em Deus e nos preceitos de sua religião, não se comportariam como faziam na época, mas seriam reconhecidos por sua conduta. “Cumpriria que dissessem: são justos, caridosos, bons, logo devem ser cristãos.” (MONTAIGNE, 2004, p.373). Pascal, por sua vez, tende mais ao argumento de que o homem pode obter conhecimentos verdadeiros em áreas empíricas (ele próprio era matemático e físico), mas que em relação a Deus precisamos da ajuda da graça divina, ainda que seja possível alguma fundamentação racional para a crença em Deus. Para Pascal, uma das “justificativas práticas” da religião se manifesta na questão da escolha. O homem, por razões práticas, precisa escolher que conduta seguir, em que acreditar. Se pela razão não podemos chegar a nenhuma conclusão concreta, deveríamos escolher a fé e pronto, “já que é preciso necessariamente escolher” (Pensamento 233: Bruschvicg. PASCAL, 1973, p. 99). Esse “argumento da decisão” é conhecido como a “aposta de Pascal”. Para o filósofo, é muito mais útil, “vale mais a pena”, acreditar que Deus existe. O argumento estrutura-se mais ou menos assim: Se eu acredito em Deus e Ele existe, terei felicidade eterna. Se eu não acredito em Deus e Ele existe, sofrerei eternamente. Se acredito em Deus e Ele não existe, vivo uma vida feliz, com a vantagem de ter os confortos que a religião oferece. Se não acredito em Deus e Ele não existe, não sofrerei eternamente, mas não terei os confortos da religião, que tornam a vida mais agradável. Qual dessas hipóteses é mais vantajosa? Qual é menos arriscada? De acordo com Pascal, analisando-se esses argumentos racionalmente, chega-se à conclusão de que é melhor acreditar em Deus (Pensamento 233: Bruschvicg. PASCAL, 1973, p.99 e 100).
6. O PAPEL DOS SENTIDOS PARA O CONHECIMENTO
Um aspecto marcante da Apologia de Reymond Sebond é a comparação entre diferentes culturas, o que leva o autor a um relativismo cultural e moral, e também à comparação entre o homem e os animais e entre os próprios homens. O objetivo parece ser diminuir a credibilidade que damos aos nossos sentidos como fontes confiáveis de conhecimento acerca do mundo. Se não podemos confiar em nossos sentidos, como saber que os raciocínios baseados em fatos observáveis são verdadeiros? Até mesmo entre um homem e outro há diferença na percepção pelos sentidos. Como saber quem enxerga a verdadeira realidade? Montaigne nos traz exemplos simples de como os sentidos nos enganam, como por exemplo, coisas que parecem ter um aspecto de longe e outro de perto, o fato de que a icterícia nos faz enxergar amarelo etc. Os animais, por sua vez, parecem ter sentidos que nós não temos. Talvez os nossos cinco sentidos não sejam os únicos que existem nos seres vivos. Os animais podem ter sentidos que o ser humano não conhece e enxergar muito mais além. Há várias citações e exemplos na Apologia sobre a não confiabilidade dos sentidos. “Como saber se o gênero humano não comete tolices análogas, em virtude de alguma carência de sentido, cuja falta faz que em sua maioria as coisas não se mostrem tal qual são?”, “Que os sentidos dominam muitas vezes a razão e nos impõem sensações que ela sabe serem falsas é coisa que se vê comumente.” e “Quem estará com a verdade?”, entre outros (MONTAIGNE, 2004, p.493, 495 e 499). Por isso, levando esse argumento à questão da religião, Montaigne sustenta que é preciso confiar na palavra revelada de Deus para termos acesso à verdade. Se os sentidos nos enganam e nossa razão, além de não poder se basear nos sentidos, não é suficiente para a compreensão da realidade que nos transcende, a aceitação dos ensinamentos da religião se torna a alternativa mais plausível para o filósofo.
Pascal também toca o assunto do como percebemos a realidade. Ele descreve na obra algumas concepções matemáticas e geométricas que nos fazem ver que o filósofo considerava a percepção sensível para o conhecimento do mundo. Acontece que, para ele, o homem é muito pequeno com relação à infinitude de Deus. Ou seja, o conhecimento do que é divino, da existência e natureza de Deus, nos são proporcionados pela palavra revelada e pela graça divina. O homem é um ser de natureza dual: sua natureza é afetada pela corrupção do pecado e pela graça, pela miséria e pela divindade interior, o que dificulta ao homem que se deixa levar pelos desejos da concupiscência o conhecimento do que realmente tem valor - o divino, alcançado pela fé e pela graça. O homem miserável confia em seus sentidos que não lhe provam a existência de Deus. Os sentidos têm um papel importante no desenvolvimento da ciência, mas não deveriam atrapalhar o homem a acreditar em Deus.
8. CONCLUSÃO
A investigação filosófica de Pascal e Montaigne fundamentou, com suas diferenças, a aceitação da fé cristã e procurou argumentos que pudessem esclarecer e ilustrar como o cristianismo detém a verdade da palavra revelada por Deus. Montaigne usou, principalmente, de seu ceticismo com relação a qualquer tipo de conhecimento como base para o argumento de que o homem não consegue usar apenas a razão para conhecer Deus. Sua abordagem é em geral fideísta e apela para a enorme diferença de costumes entre povos e para a fragilidade dos sentidos para chegar à sua conclusão de que devemos aceitar a palavra revelada.  Se aceitamos o argumento da incapacidade do homem alcançar a verdade por seus próprios meio limitados, aceitar a palavra revelada por uma fonte divina e transcendente pode ser possível. Já Pascal, apesar de também advogar a aceitação da revelação cristã, tem na natureza humana o reflexo de como se dá o conhecimento do divino. O conhecimento do mundo, dado pelos sentidos, reflete a natureza mundana (ou corrupta) do homem adquirida com o pecado original. O conhecimento do divino ocorre por meio da graça que poderia nos levar à crença na palavra revelada de Deus e, por conseguinte, à salvação. Esse debate, assim como tantos outros problemas filosóficos, persiste até os dias de hoje, assumindo diferentes formas (razão x fé, ciência x religião, ateus x crentes) e, claro, em contextos diferentes daqueles do século XVI de Pascal e Montaigne. Mas a questão ainda é controversa e leva em consideração muitos dos argumentos trazidos pelos filósofos citados. Um exemplo atual é o do filósofo americano William Lane Craig. Ele defende o cristianismo com argumentos racionais e lógicos, travando famosos debates com ateus. Assim como Montaigne e Pascal, Craig usa a razão para sua apologia da religião, mas também defende a crença da graça e na palavra revelada como o único modo de se chegar à verdade sobre Deus. Ele representa como ainda é possível, assim como fizeram Montaigne, Pascal e outros pensadores da Idade Média, a defesa filosófica da crença religiosa.














Referências bibliográficas

CRAIG, William Lane. É possível acreditar em Deus usando a razão. Veja. 25/03/2012.  Entrevista concedida a Marco Túlio Pires. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/e-possivel-acreditar-em-deus-usando-a-razao-afirma-william-lane-craig.  Acesso: 6 de maio de 2012.
KENNY, Anthony. A New History of Western Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2010.
MONTAIGNE, Michel. Ensaios. Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 2004.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril, 1973.
SAKA, Paul. Pascal’s wager about God. Internet Encyclopedia of Philosophy. 20/04/2005. Disponível em: http://www.iep.utm.edu/pasc-wag/. Acesso: 14 de maio de 2012.
UCB (Universidade Católica de Brasília). Antropologia filosófica. Conteúdo da disciplina on line. Brasília: UCB Virtual, S. D.







segunda-feira, 26 de março de 2012

Sobre o Filme: "O caçador de Pipas"
Por Lee Merseli
 
Amir e Hassan foram amamentados pela mesma mulher e viveram a mesma infância de brincadeiras, filmes e personagens na Cabul dos anos 70. Mas enquanto Amir era filho de um homem rico e muito respeitado entre os afegãos, Hassan era o filho de lábio leporino do empregado da casa de Amir.

Hassan fazia tudo pelo amigo, inclusive o defendia nas brigas de rua. Amir era covarde e se aproveitava da falta de estudos de Hassan, inventando histórias e significados de palavras, por exemplo. Também sentia ciúmes quando seu baba (pai) parecia mais orgulhoso do comportamento de Hassan do que das atitudes de seu próprio filho.

No inverno de 1975, Amir teve a chance de conquistar seu baba. Venceu o famoso campeonato de pipas local. E para que Amir chegasse em casa com o troféu - a última pipa cortada -, Hassan correu atrás da pipa azul. Em um beco, encontrou Assef, um garoto de família rica que odiava os hazaras como Hassan e perseguia Amir também, por este ser amigo de um hazara.

Assef violentou Hassan, porque este não lhe entregou a pipa azul e também porque Hassan, para defender Amir, o ameaçou com o estilingue uma vez. Amir assistiu a cena, mas escondido, sem fazer nada para ajudar Hassan.

Para distanciar seu sentimento de culpa, Amir armou uma situação para mandar Hassan e o pai, Ali, embora de casa. Simulou que Hassan pegou alguns presentes que ele ganhou de aniversário. Sabia que baba considerava o ato de roubar o único pecado do homem. Quando baba perguntou a Hassan se ele fez mesmo isso, Hassan confirmou para proteger Amir da fúria de seu pai. Baba perdoou Hassan, contudo Ali foi embora com seu filho mesmo assim, para protege-lo de Amir.

Nessa época, o Afeganistão já começava a enfrentar a invasão soviética e algum tempo depois Amir e seu baba precisaram fugir do país. As experiências terríveis pelas quais passaram aproximaram, finalmente, pai e filho. Eles foram morar nos EUA.

Na América, Amir encontrou o amor do pai e de uma bela mulher. Soraya e Amir não tiveram filhos e baba morreu de câncer. Porém, Amir vive um bom casamento e torna-se escritor.

O passado de culpa e covardia vem à tona quando Rahin Khan, amigo de baba que defendia Amir e o incentivava a ser escritor quando era criança, pede para que ele o visite no Paquistão. Nesse encontro, Amir descobre que Hassan na verdade era seu irmão, filho do mesmo pai. Seu baba havia roubado o direito dele e de Hassan de saber a verdade.

Rahin ainda revela que os Talibãs mataram Hassan e sua esposa, quando ele tentava defender a casa de Amir, onde havia voltado a morar. Porém, o filho de Hassan, Sorab, estava vivo e foi levado a um orfanato.

Amir tem, então, a chance de se redimir pelo que fez a Hassan. Volta ao Afeganistão e encontra seu país destruído pelo Talibã. Busca o filho de Hassan e o encontra na casa de um talibã, que o comprou de um orfanato para usa-lo como objeto sexual. Para surpresa de Amir, esse talibã é Assef.

Amir enfrenta Assef e leva uma surra que o deixa quase morto. O filho de Hassan, tão bom quanto o pai com o estilingue, acerta o olho de Assef e foge com Amir.

Quando Amir sai do hospital, leva o menino para o Paquistão. Tem dificuldades para adota-lo devido às regras do consulado americano. Seguindo os conselhos de um advogado, Amir cita para Sorab a hipótese de coloca-lo em um orfanato enquanto correria o processo de adoção.

Decepcionado, o garoto tenta se matar, cortando os pulsos. Amir o encontra na banheira, logo depois de saber que um tio de Soraya ajudaria a conseguir um visto para Sorab.
Amir o leva ao hospital a tempo. Desesperado pela vida de Sorab, ele descobre sua própria fé em Deus. Quando Sorab se recupera, ambos voam para os EUA. Sorab não volta a falar e perde o amor pela vida. Muito tempo se passa até que um dia, em uma festa de rua entre afegãos, garotos começam a brincar com pipas e Amir oferece uma para o sobrinho. Quando Amir consegue cortar a pipa de um rival, Sorab esboça um leve sorriso e Amir corre feliz atrás do troféu para dar a ele, com a esperança de reconquistar a confiança de Sorab.

https://supra.ucb.br/exchweb/bin/redir.asp?URL=http://www.youtube.com/watch?v=WV5-_9UvGzU
 
Lee Messerli
O Homem e o Não-lugar: Análise do filme “O Terminal”.
*Por Roberto Wagner Urquiza 
O homem se encontra diante do irracional. Sente em si o desejo de felicidade e de razão. O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo. Albert Camus (O mito de Sísifo, p.41).


O mundo contemporâneo, comprimindo cada vez mais o tempo e o espaço, tende a mergulhar o sujeito numa situação de constantes movimentações. O homem está afastado de referenciais fixos e estáveis, tem dificuldade de saber quem ele é realmente, vive no que o filósofo Gilles Lipovetsky (2005, p.7) chama de “era do vazio”. Para o filósofo“a sociedade hipermoderna é aquela em que reina a indiferença da massa, na qual domina o sentimento de repetição e estagnação, na qual a autonomia particular avança por si mesma, a sociedade é ávida por uma identidade”. O homem perdeu sua fé nas promessas da ciência moderna e da religião, se tornou um hedonista radical, se tornou um super-homem, para Fromm (1987)
            O homem tornou-se um super-homem, mas super-homem com poderes sobre-humanos que não atingiu o nível de razão super-humana. Na medida em que aumentam seus poderes, ele se torna um homem cada vez mais pobre, impõe-se sacudir nossa consciência ao fato de que nos tornamos tanto mais desumanos quanto mais nos convertemos em super-homens.
 Assim, o homem vive um tempo em que se sente como no mito de sísifo, rolando inutilmente uma pedra montanha acima, e vê essa pedra rolar montanha abaixo, o mito virou sinônimo de trabalho inútil, conforme Albert Camus, muito bem relatou, mas Camus (2006) nos dá um conselho pertinente, que no final é “preciso imaginar Sísifo feliz”.
            O homem tem passado por um processo de desumanização que o tem levado a colocar o racional a serviço do irracional, “pois quanto mais os indivíduos se libertam das regras e dos costumes em busca de uma verdade pessoal, mais seus relacionamentos se tornam fratricidas e associais.” (LIPOVETESKY, 2005, p.45).
 O individualismo surge como um mal contra o qual o homem tem lutado, e surgem então os não-lugares, a idéia de Marc Augé para não-lugar é a de uma instalação que é utilizada para a circulação de pessoas e bens, no não-lugar, não há espaço para exercitarmos nossa humanidade. No filme “O terminal” um imigrante se vê obrigado a fazer do não-lugar um lugar, um ambiente que é impessoal, um local passageiro, passa a ser um lugar onde a interação humana confere sentido.
 O que se vê no filme é uma inversão, o não lugar passa a ser um lugar, o protagonista confere ao não lugar um pouco de sua humanidade, arranja trabalho, faz amizade com os funcionários, consegue uma namorada, o típico vazio que é o não-lugar agora é o lugar onde cada um se constrói sujeito de sua história. Essa transformação do não-lugar para lugar, foge totalmente do convencional; as pessoas vivem mais em não-lugares do que em casa, geralmente se almoça em self-service, assiste-se a televisão enquanto se espera sua vez no dentista, enfrenta-se a fila do ônibus na rodoviária.
            O protagonista oferece solidariedade e altruísmo, instigando a socialização, o que foge da realidade dos tempos hipermodernos, um tempo de excesso e vazio existencial.

 BIBLIOGRAFIA: 
AUGÉ, Marc. Não- lugares: introdução a uma antropologia da sobremodernidade. Trad. Lúcia Mucznik, Bertrand Editora, 1994.
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e paulina Watch. 3ªed. Rio de Janeiro, 2006. 
FROMM, Erich. Ter ou Ser? Tradução Nathanael caixeiro. 4ª ed. Rio de Janeiro. LTC, 1987. 
LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio. Ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Tradução Therezinha Monteiro Deutsch. São Paulo. Manole, 2005.
*Licenciado em Química e Pedagogia,  Especialista em Filosofia e Química, Licenciando em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília.