segunda-feira, 26 de março de 2012

O Homem Duplicado em Jorge Luis Borges
*Roberto Wagner Lopes Urquiza
  
Afinal, ao recordar, não existe ninguém que não se encontre consigo mesmo.
O Outro, Jorge Luis Borges.



O conto “O Outro” de Jorge Luis Borges em sua obra “O Livro de Areia” é um conto que nos remete a um tema muito trabalhado na literatura e filosofia, a idéia do “Duplo” do homem se reencontrando, o homem no espelho da vida, olhando a si mesmo e recordando o passado.
Jorge Luis Borges em seu conto relata um encontro entre um Borges com aproximadamente vinte anos e um Borges mais velho com cerca de setenta anos, em um primeiro momento percebe-se um sentimento de estranhamento nesse encontro, parece que os dois são homens completamente diferentes, enquanto o Borges jovem diz que escreveria um livro que cantaria a fraternidade de todos os homens, o Borges mais velho pergunta com sarcasmo se ele se sente realmente irmão de todos os homens, o Borges mais jovem diz que seu livro contaria as histórias de homens oprimidos e dos párias do mundo.
            Borges velho novamente vê na sua versão juvenil alguém inocente e diz que só existem indivíduos, lembrando que “o homem de ontem não é o homem de hoje”, percebe-se que o Borges velho se sente muito incomodado com esse encontro, olhar o passado e vê sua versão mais jovem e incoerente, traz a tona um turbilhão de sentimentos que antes não existia, um misto de compaixão, angústia chegando até mesmo em alguns momentos de amor. Bartucci diz (1996, apud Barbieri) “o confronto com o estranho põe em questão as certezas sobre si mesmo. A diferença é ameaçadora porque fere a própria identidade”.

Borges maduro quer evitar essa ameaça a sua identidade. Ele diz: (2009) “Meu primeiro propósito foi esquecê-lo para não perder a razão”. Aqui  percebe-se o grande desconforto que é olhar para si mesmo, analisar nossas ações principalmente quando somos mais jovens é algo que provoca espanto, olhar o passado pela perspectiva do presente nos provoca o desejo de não errar mais. Em determinados momentos da vida desejamos voltar no passado e sanar possíveis erros, aqui nos lembramos de Nietzsche e seu mito do eterno retorno, lembrar o tempo de juventude nos remete a um tempo de profunda ingenuidade.
A versão mais jovem de Borges sente-se cheio de si, parece corajoso, algo muito comum nos jovens de hoje, o eterno desejo de infinito, o desejo de salvar o mundo de suas agonias e salvar os oprimidos, já o Borges mais maduro chega duvidar que alguém exista realmente, o homem não é sempre o mesmo, mudamos constantemente, o que hoje desejamos, amanhã não é mais motivo de angústia.
Borges nos remete a infância, pois sabe que são nossas lembranças da juventude que nos tornam o que somos. A versão jovem de Borges acredita no poder do novo e da imaginação, possui medo daquilo que é impossível.
            O Borges mais velho reconhece que é impossível que eles se compreendam, ele sente um misto de misericórdia e amor por sua versão mais jovem, Borges diz (2009) “Eu que não fui pai senti por esse pobre moço [...] uma onda de amor.” Assim como um pai ao ver a tolice e ingenuidade do filho ele deseja que sua versão mais jovem se reencontre que olhe com maior clareza para si mesmo.
Por fim, nesse reencontro ambos acreditam que tudo não passou de um sonho, o encontro era um misto de realidade e sonho, quando Borges velho evoca o passado faz o que Merleau- Ponty chama de reabrir o tempo. Buscar em nossa memória parte de um homem que sabemos que não mais existe, reabrir o tempo e olhar para suas ações no passado, é o caminho para a maturidade.
Ter memória e relembrar o passado é ter em mente que todo homem também é outro homem, é no encontro com o outro que me torno o que sou. Sigamos o conselho de Neruda: “Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros [...] Minha vida é uma vida feita de todas as vidas.”

*Licenciado em Química e Pedagogia, Especialista em Química e Filosofia, Licenciando em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília.

 Bibliografia:

BARBIERI, Natália Alves. Temporalidade e Permanência: O Eu e o Outro de Jorge Luis Borges. Disponível em: www.estadosgerais.org/encontro/IV/…/Natalia_Alves_Barbieri.pdf.               Acessado em 08 de Julho de 2010.
BORGES, Jorge Luis. O Livro de Areia. São Paulo. Companhia da Letras, 2009.

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