sexta-feira, 23 de março de 2012


A diferença entre imagen e semelhança
Paul Evdokimov (La connaissance de Dieu selon la Tradition Orientale, X. Mappus, Lyon. Paulinas, Madrid, 1969).  (tradução Rochelle Cysne)

            Para o gênio hebreu, sempre concreto, imagen-tselem possui um sentido muito mais forte do que no cristianismo. A proibição das imagens talhadas por parte da lei se explica pela significação dinâmica e realista da imagen: como o nome suscita a presença do que representa; “Demouth" que se traduz por similitude, semelhança, incita-nos a vê-lo como outro. Podemos comparar com a noção "schaliach": o apóstolo de um homem é como um outro de si mesmo.
            A “imagem” é inteira, sagrada por excelência, não pode sofrer nenhuma alteração. Mas se a pode reduzir ao silêncio e fazê-la ineficaz pela modificação das condições ontológicas. A imagem, fundamento objetivo, não pode manifestar-se senão na semelhança subjetiva; a queda a fez radicalmente inacessível a forças naturais do homem. Sem estar pervertida, a imagem se fez inoperante. São Gregório Palamas  precisa a tradição: “Em nosso ser imagem, o homem é superior aos anjos; mas é inferior na semelhança porque é inestavel; depois da queda, temos rechaçado a semelhança, mas não temos perdido o ser a imagem”. Cristo devolve ao homem o poder de operar.
            Os sacramentos do batismo e da unção do crisma restauram a “semelhança no ato”, o que libera imediatamente a imagem cuja radiação se faz perceptível nos santos e nas crianças. Graças à imagem, o homem conservou sempre a liberdade de opção. Ainda no tempo da Antiga Aliança, o desejo de bem subsiste, sem que, no entanto o homem possa atualizá-lo em sua vida. Em sua teologia da graça, os padres distinguem claramente entre o “livre arbítrio da intenção” e o “livre arbítrio dos atos”. Afirmam a plena liberdade do desejo de ser salvo, a sede de cura, a capacidade de formular o ‘fiat’. Depois da Encarnação, a graça atualiza a deiformidade virtual. “Ser criado a imagem de Deus” se converte em “existir a imagem de Deus”.
            Desde então, como diz são Maximo: “Tendes duas alas para alcançar o céu: a liberdade e a graça”. A todo esforço da vontade responde a graça para levá-la a seu termo. Deus faz tudo em nós, a gnose, a vitória, a sabedoria, a bondade e a virtude, sem que nós aportemos absolutamente nada senão a boa disposição da vontade”; mas esta boa disposição da vontade é um ato absolutamente livre que coloca o agir humano dentro do agir divino. A “virtude” é esta disposição que dispara a ação da graça e faz os atos sinérgicos. Em um sentido, o desejo do homem é já operante, porque responde ao desejo de Deus e assim atrai a vinda da Graça. Este é todo o papel imenso do “fiat” da virgem Maria. A anunciação é como uma pergunta que Deus dirige a toda a humanidade: tens sede de salvação, queres verdadeiramente levar em tuas entranhas e engendrar teu próprio salvador? E de parte de todos, a Virgem diz Sim. Este sim é a condição objetiva da Encarnação:o verbo não podia forçar a natureza humana; a Virgem se oferece livremente da parte de todos.
            Para os Padres, um ser não é humano senão quando está maduro pelo Espírito Santo, quando é efetivamente ‘imagem que se parece’. Um santo é chamado liturgicamente ‘semelhante’. A imagem constitutiva e normativa, em sua função de deiformidade, torna reais as palavras: “Sede perfeitos como vosso pai celestial é perfeito”. A cristologia ensina  que em Cristo “os filhos no Filho” são realmente os filhos do Pai “semelhantes ao Filho”. São Gregório de Nissa subtrai a função da imagem: “para participar de Deus é indispensável possuir no ser algo correspondente ao participado”. A “Deus é amor” corresponde o “amo ergo sum” do homem. Calisto na “Filocalia” diz: “O mais elevado que sucede entre Deus e a alma humana é amar e ser amado”.
Assim, a antropologia dos padres e sua noção da imagem mostram ao ser humano deiforme em sua estrutura mesma, destinado à comunhão deificante e capaz de conhecer a Deus a medida de sua própria capacidade de receber-lhe. Como escreve um mestre da vida espiritual contemporâneo: “Deus se dá aos homens segundo sua sede. Aos que não podem beber mais, não dá mais do que uma gota. Mas ele gostaria de dar a torrentes, para que por sua vez os cristãos possam apagar a sede do mundo”.


             

           

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