segunda-feira, 26 de março de 2012

Angústia e silêncio: Bergman e o teatro da vida.
*Por Roberto Wagner Lopes Urquiza


Tudo tem seu tempo,
Há um momento oportuno para cada empreendimento.
Tempo de calar, e tempo de falar.
Tempo de amar, e tempo de odiar.
Eclesiastes.


Nossa sociedade tem como essência o mundo do superficial, do fast-food, geralmente amam-se os imitadores, o hedonismo é marca indelével de nossos dias, usar uma máscara para parecer algo que não somos é algo comum, desejamos parecer cada vez mais inteligentes e bonitos, porque queremos a admiração do outro, bem sucedido é o homem narcisista , incapaz de refletir sobre si mesmo, frágil em seus relacionamentos, trata o outro sempre como objeto, a mentira é sua maior arma. 
Pessoas assim estão em todos os locais, nas religiões, nas empresas, não são a toa que os manuais de auto-ajuda são os mesmos para religião e empresas.
É quase impossível não sermos afetados pelo mundo das aparências, Baudrillard tem razão quando fala de uma realidade simulada. Como não deixar-se levar pela rotina esmagadora de um mundo planejado para nos afastar cada vez mais daquilo que desejamos ser? Como não se enganar a ponto de tratar o outro como objeto, pior, como não tratar a si mesmo como objeto? Seria o silêncio a solução? Não posso deixar de ver a incrível beleza nesse maravilhoso filme de Ingmar Bergman chamado “Persona”, mais ainda, comparar cenas desse maravilhoso filme com as idéias de Kierkegaard.
Todo mundo já sentiu em algum momento da vida o desejo profundo de ficar em silêncio, mas, não devemos misturar o silêncio gerado pela melancolia e a angústia psicológica, com a angústia kierkegaardiana que leva a um silêncio reflexivo que gera a liberdade, não posso deixar de registrar um diálogo maravilhoso entre as personagens Alma e Elizabeth do filme “Persona”.
Pensa que não entendo? O inútil sonho de ser. Não parecer, mas ser. Um sentimento de vertigem, Cada tom de voz uma mentira. Cada gesto, falso. Você pode se fechar, se fechar pra o mundo. Então, não têm que interpretar papéis, fazer caras, gestos falsos. [...] Entendo porque não fala.
“Ser” nesse mundo de imitadores é algo que necessita de um grande esforço, será que Bergman tem razão, devo calar para não ser mais um, que tem sua existência anulada pela sociedade das aparências?
Devo expressar que me agrada muito quando ela diz que está tomada pelo sentimento de vertigem, enfim pela “Náusea” sartriana, o que vemos é uma atriz que se recusa a atuar no teatro na obra de Sófocles “Elektra” e sem hesitação decide se calar. Elizabeth  é tomada pelo silêncio, atuar é algo que lhe provoca dor, é no encontro com a personagem Alma que ela tem a oportunidade de se encontrar, ou melhor, de se fundir, é pelo olhar do outro que ela enxerga a si mesma.
Não deixa de ser extremamente curiosa a idéia de que mesmo em silêncio é observando o outro que Elizabeth tem a oportunidade de alcançar a plenitude. Será o outro motivo de tormento e chave para liberdade do mundo das aparências? É observando Alma que Elizabeth encontra a si mesmo e deixa o silêncio.
Vale lembrar que Alma é na Mitologia Psychê, Bergman nomeia seus personagens de forma a nos lembrar que é olhando em silêncio para o mais profundo de seu ser que podemos chegar a uma existência que ultrapasse o simulacro das aparências e nos leve ao uma existência significativa.
Quando na fala transcrita a cima a personagem deixa claro que seu sentimento é de vertigem não posso deixar de pensar também em Kierkegaard e a angústia humana de uma vida de liberdade.
Kierkegaard recebeu uma educação religiosa rígida e exagerada sobre a noção de pecado, algo que vai atormentá-lo para sempre, para acabar de dificultar tudo ele não consegue se casar com o amor de sua vida uma jovem chamada Regina Olsen, acaba assim optando por viver uma vida repleta de angústia marcada pela fé em deus.
A angústia é um tema que leva o homem a pensar sua existência e que só surge quando o homem descobre-se “arremessado na vida”, sua visão sobre o homem o obriga a se posicionar, como ser existente, diante do mundo, note diante de uma infinidade de possibilidades.
As exigências da ética vão fazer com que cada homem deixe o silêncio e  reconheça suas falhas, mas isso não é o suficiente para ele existir em paz, a angústia toma conta dele, o sentimento de absurdo o acompanha.
Kierkegaard é inimigo de toda tentativa de enquadrar o homem em um sistema? Ele detestava a idéia hegeliana que enquadrava o homem dentro de um sistema rígido e objetivo, para ele a “a realidade que o homem tem maior conhecimento é a sua própria realidade, somente a realidade singular concreta interessa” (PENHA, 2008, p.16). O homem só apreende a realidade subjetivamente, a subjetividade é a realidade.
A personagem de Bergman Elizabeth está cansada e angustiada, opta pelo silêncio, deseja encontrar a si mesmo, vive cansada de mentir para si mesmo. É comum classificarmos o outro e julgá-lo conforme todo tipo de falso critério, uma espécie de processo Kafkaniano, em que o outro não faz a menor idéia do que se passa. Respeitar o silêncio do outro é a forma de estendermos a mão para ele. Essa é a única maneira de curar a angústia humana, a angústia dos homens livres. É sim possível ultrapassar esse mundo efêmero das aparências e ser livre. Pois é essa angústia que permite o mergulho em si mesmo. Que nos leva ao infinito. O silêncio pode sim salvar o homem de si mesmo. No fim, Salomão está correto, existe sim tempo para calar.


Bibliografia:
PENHA, João. O que é existencialismo? São Paulo. Brasiliense, 2008.

 KIERKEGAARD, Soren. O Desespero Humano. São Paulo. Martin Claret, 2008.

KIERKEGAARD, Soren. O conceito de angústia. São Paulo. Presença. 1968.

*Licenciado em Química e Pedagogia,  Especialista em Química e Filosofia, graduando em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília.

2 comentários:

  1. Muito bom o texto. Fico pensando como o Ser atual é vitima da aparência e do fútil. Na verdade, o fútil e o superficial conseguem ganhar uma força imensa sobre a consciência contemporânea. Vivemos no nada. Sobre Kierkegaard e sua religiosidade rígida e exagerada sobre a noção de pecado, é justamente o que pretendo escrever no final de meu curso. Creio que o homem religioso de hoje, não tem consciência muito bem do que realmente seja um ato que podemos chamar de pecado. Na verdade, herdamos muito mais um peso teológico e culturalmente definido pela igreja medieval do que um sentido acerca do pecado como uma quebra do princípio maior deixado por Cristo: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo. Por isso, a angústia de Kierkegaard. Valeu! Paulo Sergio.

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    1. Acredito Paulo que hoje vivemos mergulhados em um individualismo destruidor, que não é culpa somente do racionalismo e do total desencantamento com o mundo, a ideia nietzschiana da morte de Deus parece não valer apenas para os hedonistas, o Ocidente parece transformar até mesmo as religiões com a ideia de um Deus que me é útil para tudo, hoje é muito comum vermos religiosos, com seus carros com faixas imensas “presente de Deus” ou “servo de deus” como se o Criador fosse uma espécie de pé de coelho que intervém no mundo para permitir que eu tenha um símbolo de status social que é o carro, Deus para tal alienado deve servi-lo prestando auxílio a todo instante, quiçá os adeptos da teologia da prosperidade que agora se misturam com os adeptos da psicologia positiva, se ainda lembro-me de minha querida Clarice Lispector, temos construído Catedrais, mas temos ficado do lado de fora.
      O ocidente transformou Deus em uma espécie de Totem, no fim parece que só podemos distinguir entre o fútil e o realmente necessário quando formos capazes de estabelecermos uma relação onde o outro não é seja um objeto, quando abandonarmos o narciso que grita a todo o momento engolindo o outro e deixarmos de tratar o mundo e Deus como se eles estivessem a nossa disposição, calar e mergulhar em si mesmo seria a solução para o verdadeiro encontro do homem com Deus.
      Abraço! Roberto Wagner

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